Certa vez, procurando mais de vinte citações por diferentes livros de Lygia, fiquei surpresa com minha própria facilidade em encontrá-las. Duas vezes abri na página exata. Outras vezes, sabia em que parte do livro procurar. Assim, uma tarefa que, pensei, levaria dias, levou duas ou três horas. É. Conheço bem esses textos. Tenho a intimidade possível, digamos. Mesmo assim, começo esta crônica sem a mínima ideia de o que escrever sobre O abraço (1995). Acho o livro estranho demais. É a história do estupro de duas crianças, o assassinato de uma delas e, caramba!, o desejo da sobrevivente, Cristina, pelo agressor. Adulta, vai atrás dele, que se tornou palhaço de circo... Tudo isso me cala. Tanto que me impressiona a análise fluente de uma colega.
Luciana Bastos Figueiredo, em sua dissertação de mestrado, lê a obra em relação com Meu amigo pintor (1987). Segundo ela, a morte, e tudo o que a cerca, conduz as duas narrativas. A diferença fundamental é a forma sombria como a morte aparece em O abraço. Causa-me interesse a análise no contexto da literatura juvenil, coisa que eu jamais pensaria em fazer, porque considerava um erro a catalogação de O abraço como tal. Mas Luciana, que foi orientada pelo escritor e professor Gustavo Bernardo, ilumina aspectos que me põe a pensar coisas novas. Por exemplo, a cena final como punição de Cristina por parte da narradora. Eu não entenderia assim. Na verdade, ainda não entendi O abraço.
Na minha tese de doutorado, aliás, limitei-me a apontar o caráter estranho da narrativa, mostrando a repetição do adjetivo estranho e suas variações. Tomei o texto como a narrativa de um sonho da narradora. Sim. Como quando temos um sonho misterioso e contamos para o analista. O sonho é fascinante e todo fragmentado; não entendemos nada, ao mesmo tempo sabendo que faz o maior sentido; na hora de contar, ensaiamos conexões entre as partes... É por aí que tenho lido O abraço: de uma vez, a narradora me mostra o seu avesso sombrio e me leva a encarar o meu – sem que eu esteja preparada.