sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Rio de mansão e barraco


Depois de experimentar memórias e livros voltados à reflexão sobre a literatura, em 1999 Lygia volta à narrativa tradicional com A cama. Narrando em terceira pessoa e com muitos diálogos, entrelaça as vidas de duas famílias e mais alguns personagens através da história de uma cama. O livro é classificado pela editora como “romance brasileiro”, mas talvez seja um romance juvenil. O ponto de vista predominante é o de Petúnia, 11 anos, que tem aliás muito da Raquel, de A bolsa amarela (1976). Além disso, ganhou prêmios na categoria juvenil. Seja como for, ler A cama é ver a cidade do Rio de Janeiro em belas cenas. Inspirado numa peça de teleteatro escrita por Lygia nos tempos da tevê ao vivo, é até mesmo um texto simples de se adaptar para o cinema.
O primeiro capítulo é quase todo em diálogo, entre um casal que vive numa pequena casa, no subúrbio do Rio de Janeiro, em Rocha Miranda, e tem um filho de 14 anos, Tobias. O segundo capítulo é também o diálogo entre Petúnia e a mãe, no apartamento de dois quartos, em Copacabana. No terceiro, as famílias se encontram na favela do Rato Molhado. Em meio a um cenário de miséria e abandono, a narrativa sugere um futuro romance entre Petúnia e Tobias. O segundo encontro desses dois se dá no Jardim Botânico (o jardim mesmo, que fica no bairro homônimo). Além desses quatro lugares, que dão uma ideia da diversidade de paisagens e modos de vida que se tem no Rio, o enredo vai ainda ao Grajaú, onde mora um personagem sensacional.
                Américo é um senhor de idade, rico e solitário, triste, porém cheio de humor. Esta é outra qualidade que se destaca do texto: os problemas da cidade são mostrados, a violência e a miséria em contraste com a beleza natural, o contraste entre as classes sociais, mas o alívio cômico é frequente. Américo, Elvira (mãe de Petúnia) e o genro dela (namorado da filha mais velha) formam um trio para levar qualquer leitor às gargalhadas. Pode dar mesmo um filme e tanto. Para completar, a história da cama que se desloca pela cidade tem um toque sobrenatural: quem pensa em vendê-la é amaldiçoado.

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