sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O silêncio de Maria

Para a protagonista Maria nada faz sentido, e é por isso que tem início Corda bamba (1979). A narrativa vai tratar da reconstrução do sentido da vida, pela menina equilibrista. Assim, ela quase não tem palavras. Enquanto os outros falam entre si e com ela, Maria faz um ou outro gesto. No primeiro capítulo, outros seis personagens somam 95 falas, enquanto Maria tem apenas três, todas em relação à corda que ganha. Pedro, o marido da avó, pergunta:
- Quer de presente?
- Toda?
- Se você quer…
Olharam bem um pro outro.
- Quero, sim.
(….)
Maria botou o embrulho no chão e ficou segurando o rolo com as duas mãos. Quico perguntou:
- Pra que que você quer essa corda, hem?
Maria franziu a testa: é mesmo: pra quê?
- Acho ela bonita.[1]

            Enquanto não rememora a cena da morte dos pais, Maria somente fala ou age em relação à sua corda. Quando não se trata disso, permanece passiva, quieta, como quem espera. Ao experimentar a corda nova, por exemplo, chega a pregar uma peça em quem assiste ao número: finge que vai cair, balançando no ar como só podem fazer os bons equilibristas. Então, seus amigos se entreolham. Fazia um mês que seus pais haviam morrido e, pela primeira vez desde então, Maria fazia uma brincadeira. Também, pela primeira vez, andava na corda...[2]
            Depois, ao amarrar a corda, da janela do quarto à janela em frente,
resolveu que a corda ia ser o calçadão dela: todo dia de manhã cedo ela ia sair pra passear. Sentiu o coração batendo emocionado. Até fechou o olho pra escutar melhor. Mas lembrou que já ia ser hora do café, da aula particular, do cachorro esparramado, onde é que ela ia botar o pé? Ai. Abriu o olho: escutar pra quê? se o coração já estava batendo tão chateado.[3]

            Assim, a personagem não precisa dormir para sonhar, tampouco acordar para   deixar o sonho. Maria precisa é seguir se equilibrando na vida – de peito aberto e olhar em foco, como sugere a ilustração de Regina Yolanda, reproduzida acima. Vai ser bem difícil. A autora sustenta o sofrimento de Maria até o fim. Não resolve nada. Não suaviza o luto da personagem de apenas dez anos, que viu pai e mãe morrerem e fica sob a custódia de uma avó má. Corda bamba é desses livros que nos fazem calar, assim como O meu amigo pintor (1987), 6 vezes Lucas (1995), Nós três (1987) e O abraço (1995).

« Em trecho reproduzido na Caixa Amarela repare como é Maria a responsável pela direção e firmeza da própria corda.
« Leia mais sobre o livro na página A mulher que mora nos livros  


[1] Corda bamba, Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1981. pp. 16-17
[2] Ibid. p. 16
[3] Ibid. p. 48