sábado, 11 de fevereiro de 2012

O diário de Cláudio

Um livro para crianças tem, como ponto de partida, o suicídio de um personagem adulto. Numa história catalogada como infantojuvenil, uma criança faz o relato do seu luto. Uma obra dedicada às crianças traz, entre outras histórias, a de um casal separado pela ditadura militar no Brasil. Em O meu amigo pintor, Lygia olha a criança nos olhos e conta com todas as letras a história de Cláudio, onze anos. Ele perdeu o melhor amigo, um vizinho já adulto, que se matou. Assim, o leitor compartilha da perplexidade do personagem. A morte, o suicídio, invade seu quotidiano de forma inexorável.
O livro é feito um diário, escrito nas três semanas seguintes à morte do vizinho, que era pintor. Cláudio começa contando da vontade que teve de ir até o apartamento de cima, dizer: “Saquei o que você me disse naquele dia! estou entendendo demais esse preto; te juro que me deu um estalo e eu estou entendendo o jeito que esse amarelo pegou.”[1] Mas explica por que não pôde visitar o amigo: “Hoje está fazendo três dias que ele morreu”.[2] 
Não lhe dizem que foi suicídio. Ouvindo seus pais conversarem sobre o caso, Cláudio nota que lhe escondem a verdade. Pergunta o que aconteceu. Como resposta, recebe um abraço da mãe, que diz para ele não pensar nisso:
- Na sua idade, a gente tem que pensar na vida e não na morte. Você tem outros amigos…
     - Que eu não gosto feito eu gostava dele! [3]

            Dias depois, tenta dividir sua tristeza com um colega da escola: “Tudo começou porque eu estava desenhando um coração; só que em vez do coração ser vermelho, ele era marrom; e em vez de ser feito coração que a gente conhece, ele era todo achatado assim pro lado e acabava de repente, deixando a gente sem saber que fim que ele levava.”[4] Então, o colega diz que coração tem que ser vermelho, pontudo embaixo e com seta. Enquanto diz, procura corrigir o desenho a seu modo. No diário de Cláudio, o desabafo: “Eu acho que vai custar muito tempo pra arranjar um amigo que saque também esse negócio de esborrachar e amarronzar coração”.[5]
            Pela escrita do diário (e também pela metáfora desse desenho), Lygia trabalha com a criação de um espaço interno e individual. O texto e o desenho funcionam como o ovo da Angélica e a casa de Porto (Angélica, 1975), a bolsa da Raquel (A bolsa amarela, 1976), a casa da madrinha (A casa da madrinha, 1978), a corda de Maria (Corda bamba, 1979), a rua aonde Vítor chega, atravessando o sofá (O sofá estampado, 1980), o quarto onde Rafaela se tranca (Nós três, 1987) e o apartamento de Carolina (Retratos de Carolina, 2002). Na solidão que descobre, Cláudio aprende a conviver com perguntas, imaginando que um dia será possível respondê-las:
     Agora, quando eu penso no meu Amigo (e eu continuo pensando tanto!) eu penso nele inteiro, quer dizer: cachimbo, tinta, por quê? Gamão, flor que ele gostava, morte de propósito, por quê? Relógio batendo, amarelo, por quê, blusão verde: tudo bem junto e misturado.   
     E comecei a gostar de pensar assim.
     Acho até que se eu continuo gostando de cada por quê que aparece, eu acabo entendendo um por um.[6]

« Leia mais sobre o livro nas páginas A mulher que mora nos livros  e Caixa amarela


[1] O meu amigo pintor. Rio de Janeiro: Agir, 1987.p. 8
[2] Ibid. p. 8
[3] Ibid. p. 19
[4] Ibid. p. 30
[5] Ibid. p. 31
[6] Ibid. p. 51

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