6 vezes Lucas (1995) começa com o protagonista, um
menino, admirando o pai, que se arruma diante do espelho. A vaidade do homem é
evidenciada na descrição de seus gestos. Só tem olhos para o espelho e não quer
ouvir o que Lucas quer dizer.
Lucas
tem medo de ficar sozinho em casa. O pai condena o que considera uma covardia,
enquanto a mãe não contraria o pai. Ela diz: “Não vamos começar outra vez com
isso, não é, meu amor? Você não viu a cara do teu pai no jantar? ele não gostou
nadinha de ver você falando de novo que tem medo.”[1]
A submissão é compartilhada pelo filho que, uma vez sozinho, vai para a frente
do espelho imitar as expressões faciais admiradas no pai. Seu profundo
sofrimento logo se evidencia, numa dor difusa que perpassa todo o corpo:
Agora era assim: volta e meia a Coisa
doía. Doía na garganta, no pescoço, no dente, e se o Pai dizia, mas afinal! que
dor é essa? o Lucas só respondia, não sei, é uma coisa; e se a mãe falava,
explica melhor essa coisa, meu filho, ele não explicava, só sabia que ela doía.[2]
Ao longo da história, os pais pioram
muito as coisas para Lucas; no fim, porém, a Coisa melhora dentro dele. Laura
Sandroni considerou que se tratava do “reencontro de Lygia Bojunga Nunes com o
público jovem, mais interessado em ver, na ficção, a confusão dos sentimentos
da adolescência do que as questões do processo de criação, tema das últimas
obras da autora”.[3]
Na mesma linha, em 1996, o livro foi considerado Hors Concours pela comissão
julgadora do prêmio “O melhor para o jovem”, da Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil (FNLIJ). No ano
seguinte, recebeu o Prêmio Jabuti, na categoria Infantil ou Juvenil.
Pelas
decisões editoriais que Lygia tomaria na década seguinte, porém, fica claro seu
desejo de ser lida por quem não se enquadra numa prateleira. Paisagem (1992) tratava exatamente da
intervenção de um leitor na obra da protagonista, uma escritora. Mas tematizar
a liberdade na leitura não era provocá-la, evidentemente. Assim, eu me pergunto
se hoje, dando ao projeto gráfico esse jeito meio sem endereço, Lygia deixa o
leitor mais livre.
Livre como Lucas, que cresce ao
atinar que não quer mais usar a máscara de menino que gosta de gostar do pai…[4] Livre como quer ser a escritora que se diz
artesã... Tenho comigo a capa coloridíssima que a Agir preparou para 6 vezes
Lucas. Ao pôr esta embalagem comercial de lado, Lygia adota outra em que
parece acreditar piamente. É como se a máscara de artesã tivesse aderido a seu
rosto, sei lá...
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[1]
Ibid. p. 12
[2]
Ibid. p. 14
[3]
SANDRONI, Laura. Ao longo do caminho.
Seleção de resenhas publicadas no jornal O Globo, 1975-2002. São Paulo:
Moderna, 2003. p. 271
[4]
“Pensando e pensando uma coisa que ele nunca tinha pensado antes: como é que
vai ser? o que que eu vou fazer? como é que eu vou viver outra vez com o meu
pai se eu não gosto mais de gostar dele?” (6
vezes Lucas. Rio de Janeiro: Agir, 1999. p. 99)
Muito bonitinho esse blog! Parabéns pelo texto e pelo bom gosto =)
ResponderExcluirBeijocas, Hanna
Obrigada, Hanninha, você viu o e-mail que te enviei anteontem?? Bjs.
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